13 de jul. de 2012

Dossiê TDAH – Um transtorno com déficit de diagnóstico

Ilustração Rodrigo Sotero

“Meu filho tem TDAH”

Mal educado? Sem limites? Impossível? Agitado demais? Hiperativo? Chegar ao diagnóstico de TDAH não é fácil. Envolve muitos julgamentos, preconceito e desinformação. A engenheira química Vivian Sampaio, brasileira, que mora nos Estados Unidos há 11 anos, conta sua história com o filho Thiago, hoje com 7 anos. Como ela descobriu, aceitou e está aprendendo a lidar com o problema

”Se você não chegar aqui em uma hora, vou chamar a polícia!”. A ameaça foi feita pela diretora da escola do maternal do meu filho Thiago, então com 4 anos e meio. Era novembro de 2008 e, ironicamente, a ligação telefônica não poderia ter vindo em melhor hora. Eu vivia há oito anos na cidade de Houston, Texas (EUA), trabalhando em uma empresa de engenharia e cuidando, com meu marido, do Thiago e da minha filha maior, a Nicole, na época com 6 anos e meio. De fato, não imaginava que aquela ligação da escola me faria despertar para uma realidade que eu não estava muito a fim de enfrentar: meu filho precisava de ajuda. E eu também.

Thiago era um menino ativo, como qualquer outro da sua idade. Era tudo que eu pensava. Como eu sempre vivi em um mundo mais feminino, por ter duas irmãs, duas sobrinhas e uma filha, eu não achava que o Thiago tinha um comportamento “fora do normal”.

Passado o momento de raiva, depois da ligação da diretora, decidi investigar. Foram dois anos de busca e hoje, novembro de 2010, escrevo do avião voltando de Atlanta, onde participei por três dias de palestras com os médicos, os psicólogos e os educadores mais renomados naquilo que, por fim, descobri que o Thiago tinha: Transtorno e Déficit de Atenção e Hiperatividade, mais conhecido como TDAH. Foi uma conferência internacional sobre o assunto realizada pelo Chadd (www.chadd.org), uma organização dedicada a crianças e adultos com o problema. Comprei dez livros, conversei com médicos, fiz anotações com dicas práticas para aplicar no dia a dia do Thiago e chorei… Sim, chorei por reconhecer que Thiago definitivamente tem TDAH, uma doença que atinge cerca de 5% das crianças sendo que 50% continuam com os sintomas na idade adulta. E pior: não tem cura, já que os sintomas são diretamente relacionados a uma deficiência cerebral.

Como cheguei até aqui? Bem, depois de o Thiago ser “convidado a sair” da escola onde fazia o maternal e da diretora, insistentemente, perguntar se eu havia consultado um médico para entender melhor o comportamento “selvagem” dele, decidi colocá-lo em uma outra escola, com um estilo mais rígido e tradicional de educação. Pensei que assim o Thiago iria se encaixar nos padrões “normais” de comportamento. Ilusão. Nada mudou. Recebia ligações frequentes da professora e insinuações de que eu não colocava limites no Thiago. Mas aos poucos fui notando que ele tinha um comportamento “diferente” das demais crianças.

Thiago não olhava muito nos meus olhos quando conversávamos, pois estava sempre muito ocupado com o que acontecia ao redor dele, não seguia instruções básicas do cotidiano, não se mantinha sentado por longos períodos de tempo, era impulsivo e reagia com muita raiva quando qualquer um ia contra a vontade dele. Era tímido e se mostrava desconfortável perto de outras crianças, completamente desorganizado, desatento e desinteressado de participar de qualquer atividade que exigisse a concentração por um longo período de tempo.

O que me chamava mais a atenção era a dificuldade que ele tinha para controlar as emoções. Quando estava muito alegre, não conseguia conter a alegria. E quando estava triste, mostrava sua frustração por meio de gritos e escândalos. E, lógico, a culpa era minha, que não colocava limites no comportamento dele. Afinal, de quem mais poderia ser?

Procurei uma psiquiatra que, depois de conhecer o Thiago em uma consulta de apenas 15 minutos, disse que ele era uma criança perfeitamente normal e que provavelmente precisava de mais dedicação dos pais para ajudá-lo a ter um melhor comportamento. Sim, levei a culpa novamente, conforme esperado... Felizmente ela também recomendou que o Thiago fizesse terapia com uso de jogos e brincadeiras. Uma psicóloga passou a analisar as reações dele. Por meio de livros que falavam sobre aspectos morais e sobre como lidar com a emoção, ela tentava mostrar ao Thiago as regras básicas de comportamento – como respeitar as pessoas ou aprender a escutar a vontade alheia e não reagir. Bastaram alguns poucos meses de terapia para a psicóloga diagnosticar TDAH. O próximo passo foi encontrar um psiquiatra especialista no assunto. Na primeira consulta, busquei discutir ao máximo os prós e contras do uso de medicamentos, o que me preocupava muito. O médico analisou as observações da terapeuta feitas nos oito meses anteriores. Nessa época, o Thiago estava entrando no pré, na escola pública perto de casa. Na primeira reunião com a professora, depois de seis semanas na escola, mais uma vez me alertaram de que o Thiago não iria se adaptar tão facilmente à nova escola. Por orientação do médico, optei finalmente por um medicamento para TDAH. Desde então, Thiago tem se comportado muito melhor. O remédio o ajudou a se manter focado na escola, mais disciplinado e mais sociável. Apesar de eu ter relutado muito em aceitar os medicamentos, cheguei à conclusão que os efeitos colaterais eram mínimos se comparados aos benefícios.

Thiago completou agora um ano tomando o medicamento. O remédio ajudou, mas não foi só isso. Leio sobre o assunto com frequência, exercito minha paciência e aplico as técnicas que aprendi para cuidar de crianças com TDAH. Apesar da conferência de Atlanta ter comprovado, para mim, que o Thiago tem esse problema, voltei com esperança de que com muito amor e as dicas que vou compartilhar na próxima página, meu filho vai estar preparado para vencer as dificuldades que o TDAH possa vir a causar na sua vida acadêmica, profissional e social.

Eu saí da conferência com uma certeza: crianças com TDAH agem como agem, sem intenção. Eu já não reajo tanto quando o Thiago mostra os sinais da doença. Não estou mais contra o Thiago. Estou, sim, junto com ele e contra o TDAH. Te amo, filho.


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