Dados, tapetes, cubos, dominós. A vista desarmada, pouco se
distinguem dos mais usuais. A diferença sente-se essencialmente no toque. Concebidos em tecido, com variadas texturas e cores garridas. São dados,
tapetes de atividades, cubos e dominós sem desenhos pintados. Com o passar dos
dedos notam-se os relevos das figuras recortadas e cozidas sob as superfícies
cuidadosamente feitas de um material diferente. "Os detalhes transformam
as peças em objetos passíveis de serem apercebidos sem o recurso à visão."
Leonor Pereira, professora de Educação Visual e Tecnológica, criou uma linha de
brinquedos para crianças com dificuldades visuais.
Mas estes joguetes ainda não enchem as prateleiras das lojas da
especialidade. Pelo menos, por enquanto. Aguardam por uma empresa que os
comercialize. A ideia de os criar surgiu do acaso de Leonor Pereira ter na sua
turma um aluno com baixa visão e da necessidade de o ensinar. "Comecei a
perceber que ele tinha algumas dificuldades de percepção e de representação do
real, mas muita vontade de mexer nos objetos que estavam à sua frente e muita
curiosidade sobre as coisas."
Perder medos
Potenciar brincadeiras que possibilitem
ver com as mãos assume uma importância vital no ensino pré-escolar. "As
crianças cegas ou de baixa visão necessitam, desde logo, começar a desenvolver
o tato que depois vão precisar quando aprenderem o Braille", explica
Leonor Pereira. O reconhecimento táctil das formas geométricas cosidas nas
faces dos cubos antecipa a aquisição de algumas competências ao nível da
matemática. Permite às crianças perceber o que são círculos, triângulos ou
retângulos.
Além destas competências, Leonor Pereira defende ser também importante as crianças apurarem a sua percepção do mundo circundante. Para, desta forma perderem alguns receios. "Normalmente, estas crianças têm medo dos objetos que não veem, tal como quem vê tem medo do desconhecido", explica.
A partilha proporcionada pelas
brincadeiras conjuntas em contexto pré-escolar é também crucial. Permite às
crianças crescer sem as barreiras sociais onde se esbarram muitas vezes as
tentativas de inclusão social. "Mesmo os adultos sentem alguns
constrangimentos quando se deparam com uma pessoa cega, surda ou em cadeira de
rodas." Desmistificar a deficiência passa pelo brincar com os mesmos
objetos, defende Leonor Pereira. "As crianças que não têm deficiências
devem aprender desde pequenas a lidar de forma natural com quem as tenha".
Perceber que são meninos e meninas iguais a si, "com as mesmas capacidades
desde que sejam exploradas".
A sala de aula é o lugar onde, por
excelência, essas competências podem ser potenciadas. Mas a tarefa não cabe
apenas aos professores de educação especial. Como docente do ensino básico,
Leonor Pereira critica a falta de formação de base dos restantes professores
para lidar com crianças com necessidades educativas especiais. Em disciplinas
como a sua, de Educação Visual e Tecnológica, esta formação inicial
"talvez viesse mais a calhar", reconhece a professora. A explicação é
simples. Algumas das crianças sinalizadas para a educação especial são
retiradas de certas disciplinas, como Língua Portuguesa, Matemática, Inglês,
porque têm mais dificuldades. No entanto, permanecem nas aulas de Educação
Visual ou nas áreas das Expressões, aponta Leonor Pereira. "Por isso,
seria bom se logo nas licenciaturas tivéssemos indicações sobre como trabalhar
para ajudar de forma mais imediata e eficaz estas crianças."
Design inclusivo
O caminho da
inclusão faz-se através do design. Como? Tornando táteis as formas que as
crianças sem deficiência visual percebem através do simples desenho. Mas criar
um brinquedo inclusivo implica não pensar apenas na sua vertente estética. A funcionalidade
deve estar aliada à beleza. "E, neste caso, funcionalidade é pensar em
utilizadores mais específicos alargando o uso a todos", salienta Leonor
Pereira.
"Design
inclusivo significa dar a possibilidade de usar os mesmos objetos a todas as
pessoas sem dificuldade ou necessidade de adaptação." Por isso, os
brinquedos de Leonor Pereira têm cores garridas: rosas, vermelhos, azuis...
"Funcionam como um estímulo para as crianças com baixa visão e são
apelativas às restantes."
Apesar de parecer um conceito simples, na prática o mercado das grandes marcas não tem apostado nele. Faltam brinquedos mais inclusivos nos expositores de todas as lojas e superfícies comerciais. No entanto, Leonor Pereira descarta a justificação de que os custos de produção tornem estas peças menos comerciais. "São brinquedos tão caros ou baratos como qualquer outro à disposição, a única diferença é serem pensados com um objetivo preciso", adianta a professora para quem esta lacuna se prende com a "falta de vontade das empresas" do setor.
Algumas das
suas peças foram já confeccionadas numa fábrica. Outras ainda costuradas por si
de forma artesanal. A sua linha de brinquedos é de número reduzido. Foram
construídos apenas os necessários à investigação que levou Leonor Pereira a pôr
à prova a receptividade aos brinquedos de crianças com e sem necessidades
educativas especiais, entre os 3 e os 5 anos de idade.
Ainda assim, o sucesso da experiência realizada em dois estabelecimentos de ensino pré-escolar na zona de Aveiro faz a investigadora da Universidade do Minho acreditar no potencial da sua ideia. O futuro passa por encontrar uma empresa que a comercialize. Este é o desejo de Leonor Pereira para 2012. "Gostaria que o projeto não ficasse parado no tempo e tivesse repercussão na vida de mais crianças.
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